sábado, 2 de janeiro de 2016

RESTO DE TOCO, POUCO SOZINHO





É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto do toco, é um pouco sozinho
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

Tom Jobim


Pensei muito em começar esta escrita com alguma palavra de efeito. Talvez desse certo. Ou não. Mas já são tantas expectativas diariamente. Todas as manhãs nos prometemos algo de difícil realização. Tantas metas. Listas feitas em papeis de rascunho que acabam sendo guardados no bolso. O que seria da vida sem as ambições? A psicologia nos explica que muito enganador é o cérebro. O sabichão. No outro dia, ocultamos tudo que passou e avançamos na peça em que nos colocaram de atores. Para cada vida, um drama: que tem início, meio e por vezes, não chega ter um bom fim. Final feliz? Isso é coisa de conto de fadas.
É pau, é pedra, é o fim do caminho.
A lenha são dos galhos da árvore cansada. O tempo corre tão depressa, que quem aproveita de sua sombra, a esquece de regar. A coitada em desespero grita os sinais de que está adoecendo. Mas o ponteiro do relógio é veloz demais. Rouba das pessoas o senso de normalidade. São distraídos, iludidos e tristonhos. Enquanto isso, ela vai empobrecendo, envelhecendo e continuamente, morrendo. É uma pena que deixemos nossos jardins falecer.
As pedras são destroços de rochas infinitamente maiores. Elas vieram rolando morro abaixo nos perturbando com o barulho. Qual a escusa para que nossos ouvidos tapados não atentassem ao desmoronamento? Elas chacoalhavam nossas estruturas! Os pedregulhos menores viam fazendo tumulto na alma durante toda a estação, contudo costuramos cortinas de grossa manta para que distante de nós se mantivesse os presságios. O toque de recolher, as buzinas... Não é suficiente para que façamos a mala e partamos embora? No entanto, pedregulhos não são bolsas de caridade e, um dia se cansam e tombam junto ao grande rochedo do qual se desabotoou. O arrependimento pousa instantaneamente e nos abraça para que encolhidos choremos mais. Tão mais fácil seria se construíssemos nosso forte em terra firme, resistente aos desabamentos!
E então, evidentemente claro, pensamos ser o fim do caminho. E acredite. Não é! Fins de caminho geralmente são repletos de muros, barreiras e matas escuras. E estes são arduamente quebrados e adentrados pelos aventureiros colonizadores. Saem de casa sem ao menos saber o que encontrar. E quando encontram, precisam saber lidar. Daí, juntos e sempre juntos, planejam, oram, constroem táticas, inventam... E batem, quebram, fragmentam, cortam e alteram. De repente, outra paisagem. Se antes mata bruta, tapume forte, agora campo aberto. Ir e destampar. Quem são os audaciosos criadores de trilhas nas nossas vidas? Se alguém não tomar iniciativa, o grupo se desfaz.
Não há outro meio. O adequado é entrarmos no bando dos reconstrutores. Recolher aqueles cascalhos que se empoçou e agora nos cercam, e uni-los em edificação. Somos os engenheiros de si.  Arquitetos do que mostraremos de fruto aos homens e a Deus. Minha morada não será na areia, que quando a água molha, encharca e desmancha, destruindo as fundações do espírito.  Minha morada será edificada na rocha, aquela mesma que toda se desabou e não mais falhará. Mesmo que a porta para a sabedoria seja estreita, eu passarei e verei do outro lado luz. Muita luz. Erguerei a fronte contra o sol e exclamarei: Eu venci!
Porque todo recomeço é necessário. Porque todo recomeço é tortura. Ele nos prende em jaulas apertadas e apontam, julgam, como se já não bastasse nossas consciências machucadas que pesa segundo a segundo, minuto a minuto, nos enlouquecendo, nos batendo. Quem está preso surra a caneca com as grades e lá dos céus surge a salvação:
- Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á.
E então recordamo-nos. É ainda o papel que foi guardado no bolso. Sonhos anotados em rascunhos são aqueles que em maior embrulho chegam. E quando chegarem, teremos assimilado que o terremoto passou. As ondas se acalmaram. O céu se abriu. O dia chegou. E o sossego também. Quão belo é a paz dos justos! Quão bom apreciar a voz que diz:
-Acalma-te coração! Estas são somente as águas de março... 





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