A VERDADEIRA HISTÓRIA DE JANAÍNA
A esperançosa Janaína acorda todos os dias às quatro e
meia. Não porque gosta, mas porque estudar durante o dia em seu quarto é
tarefa de gente louca. Em casa pequena, barulhos são compartilhados e, ela ama
o silêncio. Portanto, combina a alvorada com a leitura e a escrita. Em
contrapartida, os pais dela não perdem a programação da Globo: a mãe ama Vídeo
Show e o pai, a Novela das Nove. Daí, esperta a Janaína, se deita com as
galinhas para se levantar com os galos.
O período
entre o descansar e o despertar da jovem lhe trazia o sentimento de que o dia não passou e de que nada
aconteceu. Deve ser falta de diálogo. Com tantos horários atravessados, mal
conversa com a família, preocupando-se mais com a retórica dos textos e a
comunicação de quem lê. Janaína é jornalista.
Para ir à
central de redação do jornal Gazeta do Povo onde trabalha, pega ônibus e trem,
ambos em horário de pico. Porém, além do tempo usual que divide nas estações e
pontos, ela se vê obrigada a fazer reportagens urbanas que atualiza os leitores
de como anda o trânsito e a disposição dos meios de transporte. Cobre fatos policiais inusitados e paga as
contas da família. Ou seja, passa as
horas do seu dia em trens lotados, filas de supermercados, bancos e
repartições. Segundo ela, isso só reparte
a vida.
Dedica-se cautelosamente
às experiências cotidianas para atrair novas oportunidades de emprego e também,
quem sabe, chegar a ser uma jornalista famosa. Nem de longe quer relatar
fofocas, todavia anunciar a previsão do tempo não lhe parecia má ideia. Apesar
de tudo, ela tem grandes sonhos e diz que
um dia há de ser feliz, se Deus quiser!
No fundo ela
tem chances, sabe? É uma ótima oradora, escritora e articula muito bem as
informações em falas simples e claras. Sem contar seu senso crítico: é uma
excelente comentarista. Em resumo, é um docinho de pessoa. É beleza de gestos, abraços, mãos, dedos, anéis e lábios. O sorriso solto que escapa do rosto a
faz amada por todos.
E se ainda
mora com os pais suportando a barulheira da TV, é porque os ama e porque não se
casou. Já esteve noiva, mas foi traída. Passados cinco meses do incidente e
tentando se recuperar do ocorrido, conheceu um rapaz do departamento de saúde e
vida. Tiveram um caso, mas ele disse preferir outra coisa. De fato, Janaina é só lembrança de amores guardados.
Hoje é apenas mais uma pessoa que tem
medo do futuro. O que aconteceu? Alimenta-se do passado.
Ocorreu em certo
dia, já na iminência de outro
aniversário, de receber uma ilustre ligação. Era noite e ela abria a porta
de casa após o cansativo expediente. Os pais assistiam uma programação nova que
contava com a participação da banda Biquíni Cavadão se apresentando ao vivo. Aproximando-se
dos alto-falantes da televisão, percebeu que cantavam a música Janaína. A sua
música. A sua descrição. A sua rotina.
Quando soou o
telefone, afastou-se um pouco em direção à cozinha. Era o Zé Ricardo, redator-chefe
da seção de colunas e opiniões. Ele anunciava a promoção da garota. Tornava-se
a nova crítica literária do jornal Gazeta do Povo. Encerrando a ligação,
vibrante com a boa nova, corre para contar aos pais a mudança de um cargo para o
outro superior. Enquanto se apressa, enrola-se despercebida nos fios da TV e drasticamente
cai. A força aplicada nos filetes faz com que eles sejam arrancados brutalmente,
ocasionando um breve curto circuito que queima o televisor. Em um sossego nunca
antes experimentado, Janaína que está estendida ao chão, gargalha como uma
vampira sedenta de sangue fresco, enquanto os senhores progenitores urram em
desespero. Ela que está esticada ao chão, sussurra para si:
— Graças a
Deus!
(1)
Em
referência à letra da música Janaína do grupo Biquíni Cavadão.