SE REVELAR A ALGUÉM
Dmitri Spiros: Pintor russo em sua série sobre cidades |
Você do outro
lado da rua! Sim, você que me olha desse modo. Que é que você está pensando? O
que você enxerga em mim? Nenhum espelho caseiro reflete a realidade para quem o
olha internamente. Por acaso alguém vê o mal que faz ao próximo por se
aproximar de uma vidraça de loja? Quem verdadeiramente somos é percebido pelo
vizinho e pela visita do outro lado do portão, mas não por nossas mentes
expertas e trapaceiras. Você aí que descobre o teu olhar com o meu, que não
sabe o que faço, que não sabe de onde venho e para onde vou... o que se admira
em mim? O que julgas pelo que vê? Quem sois para ti?
Se
pudesse convidar-te para sentar comigo e lá você fosse o fazer, eu te contaria
meus anseios e desejos. Mas não posso. Eu realmente desejei arrematar todas as
almas frustradas que em mim esbarra e à elas dar da água da vida para que se
confortem. Mas não posso. Eu realmente
não posso. Por vezes, nem as vejo. Por outras, não tenho a permissão. E bem
aprendi, caro senhor no qual agora me vislumbra, que meu abraço por mais forte
e grande não arremata o mundo. Então, por ali e por acolá, eu vou cultivando
uma horta de bem fazeres. Quem sabe assim, o próprio mundo sinta-se abraçado.
Não
sei o que assiste na estação que sou, mas sei declamar-te o quão difícil andam
meus dias. Se eu tomasse alguns minutos de ti, homem do outro lado da calçada,
então eu poderia revelar minhas ânsias. Começaria dizendo do inconformismo que és
forte e denso. Eu não me acomodo comigo mesma. Meus conceitos, meu medos, meus
desejos e minhas felicidades. Nunca direi que estarei satisfeita. Refarei
dia-a-dia tudo que sou e tudo que vivo a fim de que, humildemente, me engrandeça. Não passará nem findará hora sem que meu coração não vibre em
gratidão. Eu me arrisco e confio e disso não me arrependo. Por isso, pelo que
sou, não me aceito não, até que eu alcance meu ápice de paz.
Prosseguiria
desembaraçando meus conflituosos pensamentos nos teus ombros caridosos.
Explicaria que muito me envergonho da promessa que um dia fiz. Afirmei
fielmente que sem ansiosidade viveria, porquanto bem sei que não há motivos
para se preocupar com o amanhã. Mesmo assim, por muitas vezes, eu chorei, me
derramei e desabei em inquietação. Deixei o desassossego e o temor tomar de
conta e alí, calada e sozinha, eu sinceramente lacrimejei. Proferi que minha
convicção e fé inamovíveis seriam, mas já houve de se abalar. Como eu me
envergonho, senhor ouvidor!
Confessaria
que dinheiro minh’alma jamais almejou. Nenhum tostão sequer que não me
trouxesse paz e felicidade. Porque vintém algum compensaria um cálice de
amizade, um afago quente e tranquilizador. O que se passa em cada vida, ninguém
explica. No entanto, miúda que sou, por vezes e horas, desejei um abraço de
irmão. E amado, neste momento, nem todo o ouro do mundo me trouxe a calmaria do
sossego.
Esclarecerei
meu espírito a este que me doa atenção. Relatarei que supliquei para que
aquietassem minhas chamas ardentes de cólera, e nesta data, ninguém ouviu. Mas
Ele estava lá e não me desamparou. E seguramente por isso eu não desisti. Por
isso, ainda estou aqui, parada frente um oceano de carros e motos e gente... E
ninguém sabe andar devagar, ninguém se fala e nem se explica. Provavelmente eu
mesma não entenderei por completo o porquê das trevas que até hoje não se
entendeu com a luz, porém eu direi elegantemente que as amei.
Por
fim, já entendida que do precioso tempo de outrem eu me ocupei, eu terei de
questionar: mas e a ti? O que se passa ao seu redor? Por quantas você
desagasalhado buscou um lugar no abrigo das carências? O quanto você indaga por
alcançar uma resposta clara pessoal? Por que será que me encontrou? E depois
de escutar tudo que tens a dizer, eu anunciarei: Mas, buscai primeiro o seu juízo. Pois já
não basta a cada dia o seu mal?