quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

SE REVELAR A ALGUÉM




Dmitri Spiros:
Pintor russo em sua série sobre cidades 

Você do outro lado da rua! Sim, você que me olha desse modo. Que é que você está pensando? O que você enxerga em mim? Nenhum espelho caseiro reflete a realidade para quem o olha internamente. Por acaso alguém vê o mal que faz ao próximo por se aproximar de uma vidraça de loja? Quem verdadeiramente somos é percebido pelo vizinho e pela visita do outro lado do portão, mas não por nossas mentes expertas e trapaceiras. Você aí que descobre o teu olhar com o meu, que não sabe o que faço, que não sabe de onde venho e para onde vou... o que se admira em mim? O que julgas pelo que vê? Quem sois para ti?
               Se pudesse convidar-te para sentar comigo e lá você fosse o fazer, eu te contaria meus anseios e desejos. Mas não posso. Eu realmente desejei arrematar todas as almas frustradas que em mim esbarra e à elas dar da água da vida para que se confortem. Mas não posso.  Eu realmente não posso. Por vezes, nem as vejo. Por outras, não tenho a permissão. E bem aprendi, caro senhor no qual agora me vislumbra, que meu abraço por mais forte e grande não arremata o mundo. Então, por ali e por acolá, eu vou cultivando uma horta de bem fazeres. Quem sabe assim, o próprio mundo sinta-se abraçado.
               Não sei o que assiste na estação que sou, mas sei declamar-te o quão difícil andam meus dias. Se eu tomasse alguns minutos de ti, homem do outro lado da calçada, então eu poderia revelar minhas ânsias. Começaria dizendo do inconformismo que és forte e denso. Eu não me acomodo comigo mesma. Meus conceitos, meu medos, meus desejos e minhas felicidades. Nunca direi que estarei satisfeita. Refarei dia-a-dia tudo que sou e tudo que vivo a fim de que, humildemente, me engrandeça. Não passará nem findará hora sem que meu coração não vibre em gratidão. Eu me arrisco e confio e disso não me arrependo. Por isso, pelo que sou, não me aceito não, até que eu alcance meu ápice de paz.
               Prosseguiria desembaraçando meus conflituosos pensamentos nos teus ombros caridosos. Explicaria que muito me envergonho da promessa que um dia fiz. Afirmei fielmente que sem ansiosidade viveria, porquanto bem sei que não há motivos para se preocupar com o amanhã. Mesmo assim, por muitas vezes, eu chorei, me derramei e desabei em inquietação. Deixei o desassossego e o temor tomar de conta e alí, calada e sozinha, eu sinceramente lacrimejei. Proferi que minha convicção e fé inamovíveis seriam, mas já houve de se abalar. Como eu me envergonho, senhor ouvidor!
               Confessaria que dinheiro minh’alma jamais almejou. Nenhum tostão sequer que não me trouxesse paz e felicidade. Porque vintém algum compensaria um cálice de amizade, um afago quente e tranquilizador. O que se passa em cada vida, ninguém explica. No entanto, miúda que sou, por vezes e horas, desejei um abraço de irmão. E amado, neste momento, nem todo o ouro do mundo me trouxe a calmaria do sossego.
               Esclarecerei meu espírito a este que me doa atenção. Relatarei que supliquei para que aquietassem minhas chamas ardentes de cólera, e nesta data, ninguém ouviu. Mas Ele estava lá e não me desamparou. E seguramente por isso eu não desisti. Por isso, ainda estou aqui, parada frente um oceano de carros e motos e gente... E ninguém sabe andar devagar, ninguém se fala e nem se explica. Provavelmente eu mesma não entenderei por completo o porquê das trevas que até hoje não se entendeu com a luz, porém eu direi elegantemente que as amei. 
               Por fim, já entendida que do precioso tempo de outrem eu me ocupei, eu terei de questionar: mas e a ti? O que se passa ao seu redor? Por quantas você desagasalhado buscou um lugar no abrigo das carências? O quanto você indaga por alcançar uma resposta clara pessoal? Por que será que me encontrou? E depois de escutar tudo que tens a dizer, eu anunciarei: Mas, buscai primeiro o seu juízo. Pois já não basta a cada dia o seu mal?