sábado, 16 de janeiro de 2016

A FAZENDOLA




Together, to be
Together and be

            Às duas da manhã, uma casa em silêncio. O único burbúrio são as engrenagens dos meus pensamentos. O sono fugira de mim como a caça do predador. Hoje tudo bem. As maravilhas da noite estão sussurrando demais para que eu vá fazê-la de companhia. Nenhum sonho substituiria a perspectiva do céu daquele domingo de fim de ano. As estrelas acham-se em luzir clarão de remanso. E eu tímida, desastrosamente vou ao seu encontro.
            Orgulhei-me de saber que de vida, ali estava repleto. Quando cuidadosamente abri a porta e logo a frente admirei o campo de trigo, agradeci pelos dias que somos tomados de bons sentimentos. O trigal acompanhava o vento, todavia o vento desorganizado, inquieto demais, bagunçava as folhas simplórias. Os animais descansavam, porém eu sabia de suas existências.
Nunca arrependi-me de despedir da cidade e partir pra minha fazendola. Sim, desse jeitinho a chamava. Ali estava meu coração, e onde este está, ali está o lar. E amorosamente eu cuidava do meu. De lá, eu colhia exemplos inspiradores e ensinamentos proveitosos. Até aprendi com esta mudança, que não devemos vender nossos planos e dores a qualquer um, mas tenhamos a esperteza de saber vigiar.
Com isso, já sentada frente as árvores que circundavam a lavoura, passei a refletir. Tão próximo de um novo tempo se iniciar, lembrei das tantas experiências do ano e das tantas vidas que por mim esbarraram. De longe avistei as cores se entrelaçando e recordei-me que quando criança, sempre acreditei que o mundo fosse desenhado e pintado por pontas de giz de cera. As aquarelas ficavam mais afiadas e pontiagudas quando feitas dessa maneira. Ser era isto. Enxergar o que não se pode, ir além sem ser chamada. Esses sonhos que sobram no canto da casa e a mente mais viva do que nunca. A mocidade vai-se embora com o trem de forte assovio. Eu embarquei.
Engraçado! A insônia tornara-se minha presença fiel e diária. A forma e a força dos acontecimentos vinham me confundindo e iludindo. Essa bagagem eu trouxe acrescida na hora do partir. E sem escolha, à essa maneira, vinham me ocorrendo a vida. Um jazz Nova-Iorquino enquanto o sol ainda está vivo e nos desgastando. À noite, o sax calava-se, mas o piano com notas mansas me trazia os clássicos europeus. Que onomatopeia de ideias! Eu me coloquei numa meta-situação, onde quem olha é quem narra e quem vive é quem sofre, sendo o mesmo. O problema é que isso é só a mais nítida verdade.
O fato é também que um furacão revirou meus sentimentos, meu cotidiano – o tudo. E cá estou analisando mais um ano que passou. Vá! Adianta que eu prometa isto e aquilo para algum aquém-mar e na veracidade, há um desfecho a dar a si mesmo? Se mantenha em pé primeiro – foi o que eu disse da passagem passada para esta. Não sei afirmar se amei mais ou se odiei menos. Se fui, se fiquei. Se diminuí para Ele crescer ou se mais tive com o orgulho. Não sei. Entretanto, confesso. Respirei fundo e inspirei liberdade. Tumultuei e gritei. Mas disso, ah! Era a tal moçoila que subiu no trem. E quem disse que não saber não é aprender?
 Por um instante notei que os pássaros já estavam dispostos. Gargalhei comigo mesma imaginando-os na janela com saltos e pios numa tentativa de alarmar-me. Porém nem chegarão. Primeiro: isto não é um conto de fadas. Segundo: eu que já estou com eles. Fui eu que os despertei! Eles são rios correntes e eu, um lago de turbulências em círculos. Sou o próprio redemoinho. Mesmo assim, eu jurarei se tornar algo bom e puro para o mundo. Não é deste modo que fazemos? Os tais costumes! No entanto os pássaros, os pássaros são felizes. Ele pulam, cantam e dançam. Eles voam! Isso basta.
E as crianças? Já pensaram nas crianças? Porque eu já podia ter certeza de que minha alma era senhora e caducava das maneiras. E elas? Verão tantas mortes, descontroles. Uma águia negra e uma do povo. As armas do Estado as matarão todas. Tudo. Todos. O que ensinarão a elas? E o que dirão no final? A vida é como é? Pois, no fundo você saberá que não. Perdoe-me. Traria todas para cá. Banhar-se-iam no córrego e subiriam nas mangueiras. Comeriam goiaba do pé e sujar-se-iam da terra vermelha. Ririam sem medo. Ou quem sabe, meramente respirariam.
O trigo me reflete a lição do joio. E a lição remete-me ao final. Do meu. Do seu. Do quando acabar e como acabar. Sou apenas a juventude e a beleza. Quem sabe é cedo demais para isto. Por agora, ainda tenho de vislumbrar o amor, a paz e o povo. E que tudo seja dado a este último. Que o penúltimo esteja contigo e comigo, mas que o primeiro carreguemos em si e por ti. E igualmente para o sempre...
Talvez o frio e a profundidade das mentalizações tenham me cansado. Na realidade, eu só preciso retornar para o quente e o conforto de tudo que fiz e construí. Exatamente na hora certa. Se prosseguisse, me distanciaria das mentiras que se tornam verdades e que sem elas vamos à loucura. Certas coisas ficam mais esbeltas guardadas. Desembrulhar em algumas chances é somente despedaçar o que ali está escondido. Só não mexa. Por anos a fio ainda reluzirá e nenhuma decepção há de existir. É de difícil aceitação, mas da sétima arte do mundo, puramente nos sobram as lágrimas de finais de peça. As cenas, contudo, elas simplesmente não ficam.
Arregaço as mangas, porque muito tenho motivo de fazer do infinito um desafio. Estralo os dedos, como numa preparação para o fight final.  Num giro do corpo observo tudo. Calmamente. Delicadamente. Do A ao Z, do pequeno ao feroz. E concluo: que bela a minha fazendola! Traço o caminho reverso e tranco a porta de entrada com duas voltas na chave. Daqui para frente, nada será regido por metas, mas por mim. Quem sabe quando e como virar as madrugadas sou eu. Há quem ouse mexer na fechadura do meu lar e...
Lá se fora um terço de noite.








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