Política Familiar
Numa
noite histórica debatiam mãe e filha da desordem nacional:
—
Balela! Ela sair dessa maneira? Duvido muito...
—
Ah, mãe, seja sincera: há motivos, não há? Há uma massa almejando por isso, não
há?
—
Há, há. Contudo, miudinha, as coisas não são assim. Olha, sente-se. Enquanto eu
preparo o café você vai me ouvindo.
Sentou-se
a menina. Curiosa, astuta, participante sem faltas do clube de debates
políticos do colégio Marechal Rondon e, sem menos desprezo, filha da D. Maria
Bernadete dos Anjos, a mais ávida ouvinte da rádio A.M Meridional. O que isso
significa? Que era reclamona. Sim, de tudo, de todos. Entretanto, sábia por 48
anos excitantes de vida, podia prever das consequências de movimentos momentâneos
de oposição. Bradou:
—
Aos meus 16 anos, secundarista do Cecília Meireles, ajudante de impressão do
jornal local curitibano e apaixonada por seu pai, ia eu saltitante pela Av.
Sete de Setembro e...
(PAUSA)
—Vai mamãe,
termine!
—
Ô garota apressada, a água está fervendo, me deixa acrescentar o pó.
Menina
danada. Desde pequena não sabia esperar. Arrisco dizer que a juventude anos
2000 é bem desse tipinho. Sem estratégia, sabe? Não é A + B, para eles, A é
quando se quer A e B, quando se quer B. Não, não! É A + B, ou seja, planejemos
com cuidado passo a passo, degrau a degrau e pronto, um C rechonchudo de
vitalidade. Essa juventude, viu?!
––
Vamos lá. Ia eu pela Av. Sete de Setembro quando uma renca de garotinhos
branquelos, mocassim de couro, óculos Ray-Ban, gritavam: Eu quero votar pra
presidente DIRETAS JÁ! DIRETAS JÁ! Eu quero... E berravam a frase. Mas sabe de
uma coisa minha filha? Collor de Mello, nosso primeiro presidente eleito pelas
Diretas Já foi impeachmado. O que você conclui?
Muxoxou
a garota, olhou para o teto (teias de aranha) e o cérebro maquinava (teias de
aranha). Foi confiante:
—
Ora mamãe, ele foi um mau presidente e portanto, tiraram ele. Normal!
—
Normal, amada? Não, não! Pode ser tudo, menos normal.
—O
que a senhora está tentando me dizer?
—Que
nossa democracia, jovenzinha demais, impopular demais, frenética demais,
moralista demais, justiceira demais, enfiou seu amado país num buraco bem feio,
para não dizer outra coisa.
—Ah,
entendi: o impeachment do Collor não foi tão bom assim, uhum.
—Não,
você não entendeu foi nada. Que merda Carolina! Vamos tentar de novo. Os ‘Cara
Pintadas’, já falaram disso no seu clubezinho de política? Enfim... Espero que
sim. Esses aí, quem eram esses aí? Classe média, teóricos da ética. Pobre que
era pobre estava trabalhando. A política minha filha, me deixa te falar uma
coisa, não é completa e nunca vai ser, porque quando for, então deixará de ser
política. Política, Carolina, é uma vontade imensa de tentar organizar as
cartas do baralho de forma que elas fiquem estritamente marcadas. Povo é povo e
só serve para eleger. A política é insaciável tanto quanto o próprio
eleitorado. É desejo, é platônico, é aristotélico. É luta. Sim, Manin falou de
luta. E se você não falar de Manin no seu clubezinho eu mesma irei lá e...
—Mãe,
foca no que você tem de falar, debatemos do ‘clubezinho’ depois!
—Está
bem. O fato querida é que, em 92 aquela mesma molecada estava pedindo a saída
do Fernando. Pouco mais de dois, D-O-I-S míseros anos. O cara saiu. PSDB e PT.
Virou esse inferno. Um rombo do tamanho... Deixa para lá. Prejuízos. SÓ
prejuízos. Já tivemos ditadura, constituição feita à mercê de interesses
bonitinhos dos partidos novos, uma república mal implantada, golpe, golpe,
golpe... Eu só quero que você entenda que uma coisa é uma coisa e outra é outra
e, agora não é hora de fazer o que estão pretendendo fazer. Não é hora de outro
impeachment. Te falei tudo isso para você colocar nessa sua cabeça de vento que
não é hora. Nós merecemos o melhor, sim, óbvio. E o que é o melhor? Menos um ou
menos dois? A mudança vem de dentro, atravessa essa carne macia e exalta o
mundo. E assim vai andando a história lado a lado de sua melhor amiga, ela se
chama PODER. É tudo tão recente, precisamos entender tanta coisa sobre a
malícia política. Ah, minha filha... Será que você me entendeu?
Silêncio.
Pequenos serezinhos se mexiam no espírito da menina e, o que menos se
encontrava por lá, agora, era samba. Matutou sozinha: Eu sou do povo, eu sou um
Zé-Ninguém! Que orgulho sentia da mãe. Que feliz era de ser brasileira. País
abençoado, não é? Silêncio. Mais silêncio. Acabou soltando:
—
Mãe, você quer ir comigo no Clube de Política na quinta às 8?
Sorriu
a senhora. A menina havia compreendido a mensagem. Gargalhou estridentemente.
Ela já era uma mocinha.
—Claro,
claro! Ah, mas que honra! Que honra! Vou até... – fora interrompida por uma
vozinha medonha.
—D.
Maria Bernadete, a senhora sabe de uma coisa? Esquecemos do café! – lamentou
Carolina.
—Ah,
minha nossa! Não é que esquecemos mesmo? - chacoalhou a cabeça. Não obstante,
completou:
—
Liga a TV, vai, tomamos o café da tarde contemplando o show nosso de cada dia!
Alegraram-se
as duas.
Gostei muito do blog, vocês escrevem muitíssimo bem, parabens! Vou acompanhar! bjs, Giulieta. www.giulietaemcrise.blogspot.com
ResponderExcluirOlá Giulieta, muitíssimo obrigada por ter passado aqui e ter lido dos meus devaneios literários. Também dei um pulo lá no teu blog e apreciei do que você escreve. LINDO e ÓTIMO. Parabéns :D
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