CONCISÃO
PRÓLOGO
A vida é linear. Seu fim é um mal súbito. O início de alguém
é a morte de outrem. Ser é fingir. Isto é a concisão.
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Seja conciso. Seja conciso. Seja conciso. Seja conciso.
Seja conciso. Seja conciso. Seja conciso.
Seja conciso. Seja conciso.
Seja conciso.
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Maria morreu no dia 29 de
dezembro de 1923. Suicidou-se. Não entenderam seus vizinhos o porquê. Tinha 34
anos. Nenhum filho. Nenhum cachorro. Nenhum gato. Nem marido. Nem mãe. Nem pai.
Nem avós. Nenhum irmão. Nenhuma irmã. Não tinha amigos. Não tinha casa. Não
sorria. Não amava. Não era bonita. Não se via. Não existia.
Escrevia. Bebia. Fumava.
Portanto, suicidou-se. Não
entenderam seus vizinhos o porquê. Tinha 34 anos. Atirou no peito, o centro dos
males, na Praça Quinze de Novembro no Rio de Janeiro.
*
Decidiu em 1922. Encerraria de
vez essa desordem. Levantava-se, rodava pela sala que lhe dispuseram em 1921 em
troca de serviços na Hotelaria Gamboa, sentava-se, levantava-se novamente e
assim, seguia sua andança pelo cubículo. Era uma saleta ao fundo do depósito de
alimentos, úmido, mofado e sem ventilação. Ali decidiu que iria morrer. Se até
a data marcada a vida não tomasse partido, ela mesma faria o serviço. Por
admirar a Praça Quinze de Novembro, afirmou para si que ali seria ideal.
*
Em 1920, jogando a vida com o
destino, sofreu xeque-mate. Amava as escondidas Gilberto, o cozinheiro da
Hotelaria Gamboa. Era casado o homem. Certa de que não seria adúltera, o
admirava somente. Nada mais.
Porém, tornou-se o varão
repentinamente tísico em último estágio, morrendo em poucos dias. Maria desejava
no jogo do desdém ao menos a posse da companhia no falecimento, o mais baixo
dos quereres. Nem isso teve.
Não foi ao enterro. Sentia inveja
da esposa, Gilberto morrera em seus braços.
*
Este é o relato do único prazer
experimentado por Maria.
Conhecera Alberto na Rua do
Ouvidor. Andava tão depressa o moço, que seu lenço voara sem que ele o desse
por perdido. Maria, que saía de um entroncamento, tomando o lenço ainda no ar,
deduziu pela inexistência de qualquer outro senhor naquele instante, que fosse
mesmo dele o encontrado. Acelerou o passo e o chamou freneticamente. Tinha
pressa também. Desejava chegar à Gamboa antes que Gilberto partisse. Trocar saudações
com o amado era para ela o ápice da satisfação.
Alberto subitamente tornou-se
para ela, tomou-lhe o lenço, agradeceu e seguiu novamente. Não dera muitos
passos para que pudesse retornar. Gritou a mulher que ia longe. Alcançou-a. Ela
deu-lhe a atenção. Tomou ele sua mão e a acariciou. Mas também achegou-se nela.
Ela, confusa, cedeu. Beijaram-se. Soltou-se dele depois de já ter saciado o
desejo. Correu. Não se viram mais.
*
Em maio de 1910, aos 21,
imaculada, com a mãe doceira prestes a findar-se, caminhando num beco da
Glória, foi assaltada por um pirralho negrinho. Tomou-lhe o moleque seus únicos
tostões para pagar à mãe a visita de um médico. A mãe morreu na mesma noite.
Desinfeliz do negrinho!
*
Maria foi concebida em uma
relação canalha. Revelou a mãe, Inês, em 1909, que não, o pai de Maria não
havia morrido. Provavelmente estava bem vivo. Carlos era da Infantaria do
Exército. Passou uma temporada no Rio com a guarnição em meados de 1888.
Encantou-se com Inês e prometeu a ela que desistiria da vida militar para que
pudessem fugir juntos.
Inês era só. Sem pai. Sem mãe.
Recebia ajuda de boas damas que lhe deram abrigo desde que nascera. Agora, aos
15 anos, estava apaixonada e pretendia partir. Contudo, para sua inocente
surpresa, a guarnição retirara-se um dia antes da data marcada rumo a São Paulo
e junto fora Carlos, deixando buchuda Inês. Chocou-se Maria. O pai era um
desgraçado!
*
1900. Primeiro dia do ano.
Sentia-se estranha. Mal quista. Mal vista. Sem jeito. Sem inteligência. Era uma
pobre infeliz. Não fez nenhuma promessa. Para quê? Nada que desejasse viria
realizar-se. Abraçou a mãe, abraçando a mãe à filha também. Não perderam tempo.
Foram confeitar doces para vender. Questão de sobrevivência.
*
Três de fevereiro de 1889 às 8:41
da manhã. A parteira Francisca mostrou luz à Maria do Carmo de Oliveira.
*
“Jornal do Brasil, 29 de Dezembro de 1923, Rio de Janeiro.
Passados quinze dias desde a assinatura do Pacto de Pedras Altas, o Rio
Grande do Sul vive relativa paz após onze meses de tensão política”.
Não noticiaram a morte de Maria.
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EPÍLOGO
Não se engane, leitor. Maria não
morreu de solidão. Morreu de satisfação. A narração fora tão concisa até aqui
que se esquecera de esclarecer os fatos.
Maria era tão feliz com tudo, apesar da miséria, da má sorte, da solitude, que certo dia, indignada
consigo mesma, com tamanha frieza e insensibilidade em relação as coisas que
lhe ocorreram até ali, que achou-se má. Era uma egoísta desalmada.
— Qual que nesse inferno de vida gargalha
todos os dias? Sou louca, ora! — Bradou.
Diagnosticando-se erroneamente
como mentecapta, encerrou-lhe a vida por incompreensão. Maria era, na verdade,
conformada e não louca. Suicidou-se por concisão. Tal qual foi o espanto dos
vizinhos. Besta!
*
A concisão é o mal súbito da vida. Chama-se morte.
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