PENSAMENTOS #03
Quando o temido dia chegar e as
janelas do mundo se trancarem para o inédito e seus sonhos densos e cansados cessarem
de voar... Quando esta data chegar, desista. E quando as folhas das árvores
deixarem de cair no ritmo das estações e quando a vida passar a ter um único
sentido, simplesmente desista. Quando perceber que se tornou tal qual seus pais
e que suas roupas seguem a moda casual e que o cinismo, os bons modos e a
etiqueta foram os únicos recursos que te sobraram, e quando usar desses meios
não soar tão cruel, ah... realmente desista. Quando as fatalidades dos romances
te forçarem abster-se de si e quando amar transformar-se em conveniência...
Desista!
Desista deveras quando essas mortes
advirem, porque todas suas novas verdades serão as mesmas e velhas mentiras
contadas. Desistir será sua única opção e concentrar-se vivo será seu objetivo. Tu deixarás de ser e
passarás a estar, de tal ou tal
maneira, desde que soe agradável ao espectador. Tudo será mero protocolo e provavelmente
você encerrará sua existência preenchendo formulários. Por tudo isso, desista!
Desista, sim, sem medo... Mas não
de si! Desista de segui-los. Desista de acreditar que quando isso acontecer não
terá volta e dê a volta por cima. Quando se sentir tão bobo e fraco a ponto de
pensar em ceder, desista! Desista de permitir que se sinta assim. E quando julgar-se
sozinho for tão insuportável, desista de criar sombras e crie relações. Quando
seu reflexo finalmente te assustar, desista do que se fez e reinvente-se de
novo. Desista da boa ética, desista de Deus, desista das dores, desista da paz.
Por tudo isso, desista, será sua única opção.
Não é indigno desistir. Indigno é
tornar-se refém do caos, da ordem pré-estabelecida e das ideias implantadas. Sórdido
é concordar com o influente por receio de desistir. Desistir do mau, das boas e
costumeiras políticas é desistência fértil. Não é vergonhoso desistir. Vergonhoso
é esquecer de se assumir e abdicar de se aceitar. Obscenidade é desistir da alegria
e da busca. É irremediável desistir de viver. Desistir das decrépitas filas e
procedimentos é mera renúncia da monotonia. Desista sempre que desistir lhe
fizer um bem danado.
E quando o temido dia chegar, das
grandes depressões, de assaltos aos ânimos e falsas revoluções, e quando tiver
certeza que a grande batalha chegou para você, desista! Não de lutar, sim de se
render ao fantasioso. Por tudo isso, desista! Desista do que convir, sem
medo... Mas não de si!
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