Do ressentimento e outras coisas
Tão fácil quanto esperançar-se
veementemente por algo, é decepcionar-se com aquilo que não prevíamos na
idealização do que se quer. As surpresas no meio do caminho de cada projeção nossa
é um rompimento de dores meramente naturais. Mas como explicar da naturalidade
das decepções para um ego enaltecido e enrijecido pelo tempo? Um dos frutos dessa
mágoa é o ressentimento, que vai pouco a pouco corroendo o
desejo-nosso-de-cada-dia de experimentar a vida. Isso se torna
inexplicavelmente mais forte quando em relações amorosas, como se a presença do
outro agravasse a compreensão primeira de si.
A questão de debater sobre
ressentimento amoroso não está na análise daquele que nos faz sentir mal, mas sim
no conflito do ‘eu’. É mais fácil moldar um discurso de que foi o parceiro o
culpado e que, se o parceiro tivesse agido de tal ou outra forma a relação se
daria das mais perfeitas maneiras do que desconstruir a hostilidade interna. Isso
é consequência da discórdia que adiamos resolver. Tomar coragem para colocar um
ponto final na relação trágica que levamos em nós mesmos passa a ser mais temeroso
do que o próprio enfrentamento do passado ressentido.
É aí que se muda o itinerário a fim de
descobrir uma solução razoável e possível para, de novo, conhecer a si e consequentemente,
aceitar o mundo e as dores. Talvez essa seja a grande e única (?) missão do
homem enquanto ser racional: encontrar-se em si e encaixar-se no mundo. Talvez
nada importe das conceituações éticas e morais uma vez que, convencionadas
todas elas, tão logo das suas mudanças será a reação do sujeito posto à realidade.
Ou ainda, a ideia seja não compreender
sistematicamente o ensejo de existir, somente fazê-lo.
Aborrecer-se com o que se viveu
justificado pelo ressentimento é tornar-se doente no limite da impossibilidade
de inverter os valores vividos, isso porque aquele que tenta, encontra-se
enfraquecido e se faz escravo da insanidade mental. Se faz porque trata-se de
uma escolha totalmente ligada às faculdades. Mais que isso, viver ressentido é
tentar mentirosamente alterar o que já passou (mesmo sabendo que não conseguirá),
revestindo-se de uma capa de pequenos males que cresce proporcionalmente com os
adventos novos. Se a vida passa, por que não superar o sofrimento que ora a
mente contemplou? E por que não tomar as experiências como tão só experiências?
A resposta está na maturidade de admitir o mundo ou não. Só se contempla o
mundo infalivelmente quando entende-se que não há e não haverá um destino fixo
que determine qualquer nova decisão e que, apostar em novas capacidades e
aventuras não é nada além do que viver o mundo real, ignorando o que se supõe idealmente
ser.
É preciso, portanto, falar mais de si
e, às vezes, egoistamente, assumir a natureza humana má para daí compreender um
terceiro. Falta mais silêncios repletos de reflexões e acima de tudo, de tempos
eficazmente usados quando só. Não há absolutamente nada de errado em criar expectativas,
desde que se saiba lidar com as consequências de cada ação tomada. Não é nenhum
mínimo estranho o querer do outro na medida das suas necessidades. No entanto,
o que é realmente importante para que no fim de cada história, de cada micro
conto ao vivo e pessoal, não se desenvolva o ressentimento? Isso não é auto
ajuda barata e politicamente correta, é só uma maneira de se entender com a
existência. Repito: é necessário conhecer a si e consequentemente, aceitar o
mundo e as dores. Viver é sofrer. Viver é sofrer depois de amar.
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