OTÁVIO
O
ponto é que Otávio foi de tudo um pouco. Aquele velho ditado de não ser forte e
sim flexível habilmente o minuciava. Porque dos seus intentos, somente ele
detinha o entendimento e, para que opiniões fartas de desinformação e leiguice aprumassem
sobre si, mal passava meia medida de tempo. Portanto, por gentileza e uma
pitada de impaciência, ele ia deslocando seu juízo para consolidar um abecê da
vida. “Ser moldável tal como lego”.
E
nessa variabilidade toda, gaiato malandro que é, escapuliu de tudo que era
flechada de fundamentalismo, uma vez que sentindo-se coagido o mínimo que
fosse, metia o pé nos ideais apresentados e partia para o próximo campo de
exploração. Seja lá religião ou coração,
comunhão ou caminhão, política ou autocrítica. Dispensava qualquer negócio e batia
as asas.
E não pense ser
covardia não. Covarde é o que tomado de orgulho, nega que fora o que foi e mentirolando
por aí, diz que se concebeu da forma atual e jamais modificou-se. Tolo!
Heráclito revelou a premissa e os frívolos negam a admitir a culpa. Para ser
mais exato, ele enunciou desse jeito: Ninguém desce duas vezes o mesmo rio.
Vitória nossa que Otávio sempre reconheceu isso.
Enfim.
Sem-fim. Bonfim. Afunilemos cá pro canto e voltemos na fé. Soa engraçado, no
entanto, sondemos sua história. Foi cristão por uma porção grande de período.
Aí, cansado de Deus, teve-se por cético. Exclusivista demais para ser nomeado como
descrente, filiou-se numa seita. Considerando a definição de negar algum
fundamento da bíblia e das colunas pentecostais, negou Jesus. Não propriamente
sua existência, porém seu privilégio paternal e profético. Até aqui passara-se
cerca de cinco ou seis datas.
Então achou
por bem, ser neoliberal. Ele auto elucidava como aquilo que vendo no próprio
universo suas metas explicações, desprezava a instituição espiritual. Nutriu
entre paredes uma breve experiência com a cristandade novamente, coisa rápida.
A partir daí, resultou-se admirador e unificador, pois consolidou para si uma
ideologia pessoal e única, misto de reflexões hinduístas, judaicas, muçulmanas
e cristãs. Levou em conta também todas as pequenas mitologias (isto porque
todas são em proporções diferenciadas mitológicas) e histórias tribais.
De fato,
tribal foi um termo muito usado por Otávio. Suas lições de tal maneira
sociológicas diziam das crenças sobrenaturais e das origens de suas
necessidades. Embora o julgassem cheio de racionalidade, nunca consegui
enxergar na fé senão um motivo maior de se subsistir do que a própria
racionalidade de quem a tem. Numa analogia simplista, o que crê é o tutor da
sua fé porque foi o tutelado da sua própria sensibilidade moralista. E vislumbrar
o mundo cuidando de observar cada cor nativa de cada cultura, desvendando o
preto e branco dos mistérios naturais é só assumir que a terra é mais graciosa
com respeito e pluralidade num plano similar.
De agora em
diante é de se prever em que estado abstrato esse rapaz se encaixa. Ele sossegou.
No mais calmo sentido da palavra. No mais imaginário valor literário e amável
dessa história. Apesar disso, como é de se relembrar, o ponto é que Otávio foi
de tudo um pouco. E tão moldável e ajustável que é, pode deixar de crer no que
crê atualmente e construir da mais profunda fundação um intelecto novo e
firmado. É isto a maravilha! O assombro que carrego frente ao fenomenal
prodígio se deve a esplendorosa versatilidade. Os adjetivos referenciais são
sua multifuncionalidade, seu capricho instável, suas facetas variantes, sua
química polivalente e daí para o além.
Da última vez
que conversamos, encontramo-nos em uma pequena praça que possuía como vista em
ambos os lados laterais prédios espelhados. Já na frontaria, encontrávamos uma
venda de picolés, umas três ou quatro sorveterias, seguida de investimentos em
paletas e açaí. Essa é a justificativa empreendedora de uma região tropical e
demasiadamente mais quente que outras. Debaixo de uma frondosa e folhenta
amendoeira de Drummond, sentamos na grama rasa. Fez coerências conforme ia
surgindo vigor por entre os ventos rápidos e refrescantes. Explanou sobre a
logicidade dos voos e a inteligência na diversidade de espécies. Do princípio
da criação de uma ideia, tal como do princípio do fim do que já fora inventado.
Contou da serenidade que vivia a não se preocupar com certas questões filosóficas
impostas por pilares doutrinários. Otávio é mesmo de se reverenciar.
Sendo assim,
no que acredita ele nesta fase presente? Afirma não participar de tradições
anímicas tampouco quer seguir o ritmo brasileiro entre católicos e
protestantes. Tem paixão pelo taoísmo e budismo, contudo não adere delas
nenhuma tradição. Acontece que Otávio é atrevido e soberano. Se libertou de si
e hoje é um independente documentado. Tem autonomia de seus raciocínios e cumprimento
pela ordem universal, ordem que rege conscientemente ou não os humanos. Tem
para si que em um só encontramos Allah, Deus, Brahma, Oxalá, Caos, Maki Maki ou
Gamab. Enxerga em sua presença a suprema razão de buscar felicidade pura e que
não fira outrem. Não se denomina ateu,
porquanto obviamente não é. Não se torna herege, dado que no segmento cristão
não se filia. Se chama genuinamente imune. Perguntado o porquê, disse-me que
entre paz e guerra, prefere a normalidade.
Fruto da
prosa, ganhei uma percepção aflorada da totalidade e uma memória crítica para
desenvolver essa narrativa. Do mesmo modo, assenti em me entusiasmar mais pela
pessoalidade do moço. Concluí por mim mesma que deveria reexaminar meu levar da
existência e reconsiderar experiências. Estando ele correto ou não, a
circunstância é o feito que muitos numa vida não o faz: se descobrir. Mas acima
de qualquer verdade de Otávio, o segundo fato é que de todos os meus anos de
lida, ele é a melhor pessoa que conheci.
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